
Póvoa de Varzim, 27 de fevereiro de 2021
Escrevo hoje a história de amor da minha avó Dalva e do meu avô Miguel, começada numa Primavera, perpetuada em cartas de amor do meu avô, eternizada em narrativas que me contaram vezes sem fim e num anel, que ainda mora na nossa família. Uma vez que fevereiro é o mês dos namorados, esta história, escrita bem à moda de um romance de cinema, pareceu-me a maneira perfeita de inspirar os namorados e amantes de agora a escreverem cartas de amor, a quererem fazer da sua vida um romance que possam mais tarde contar aos filhos, aos netos.
“Querida Dalva,
Escrevo-te hoje para que quando chegues à Venezuela já encontres notícias minhas.“
Na Primavera de 1959, Dalva viajou para Portugal. Estava na Venezuela desde os 11 anos e voltava a Portugal, para visitar a sua avó. Por acaso, conheceu o Miguel, jovem galã no final dos seus vintes, por quem se apaixonou. Desde então namoraram por correio, trocando palavras bonitas, contando rotinas e jurando amor eterno.
“Todas as 3ªs- feiras costumo ir ao Porto com os serviços cá de casa. (…) Não te posso transmitir a alegria e o prazer que senti quando ma entregaram e a abri. Dava-me a impressão que não te tinha tão longe, mas sim muito junto a mim e que te senti.”
Apesar de estarem a um oceano de distância, não se sentiam distantes. Planeavam reencontrar-se, casar, construir uma família e uma vida em comum. Construíam um futuro com base num amor à primeira vista num dia de Primavera e entre promessas de 2 anos de cartas de amor.
“No entanto, se tu vires que são de facto 2 anos, eu saberei esperar, embora me custe suportar essa ideia. E falo desta maneira porque me custa estar longe de ti, amando-te já loucamente. (…) “A tua avó está muito triste com as saudades e diz que eu sou o causador desta sua tristeza, pois se eu me tinha dirigido a ti mais cedo e já não terias embarcado. (…) Eu sei que para mim é uma enormíssima responsabilidade mandar-te vir antes dos teus pais, pois foi bastante pouco o tempo que nos conhecemos. (…) Tu gostas de mim e eu de ti gosto.”
Apesar de mal se conhecerem, os planos pareciam simples. Aliás, estes são sempre simples quando se está “loucamente apaixonado” como os meus avós estavam. Posto isto, Dalva iria voltar para Portugal para cuidar da sua avó e casar com Miguel.
Assim, Miguel, a 30 de junho de 1959, dia do seu 30º aniversário, pediu autorização ao pai de Dalva para se casarem.
“É no dia dos meus anos que te escrevo. Espero que este dia seja o início de uma nova fase das nossas vidas. (…) Posto isto, quero informar-te que hoje mesmo escrevi ao teu pai contando-lhe aquilo que mutuamente pensamos e queremos. Neste ponto, confesso-te querida Dalva que já te amo e que me custa sequer pensar que poderei um dia perder-te!”
Dalva regressou antes dos 2 anos previstos e casou com Miguel em novembro desse mesmo ano. Juraram amor eterno com um anel “da casa”, que passou para a geração seguinte, em 1991.
Este amor que atravessou um oceano deu flores, deu frutos e inspirou o meu avô, romântico incurável, a celebrar as mais bonitas histórias de quem passou pela Tavares, a par da sua e da sua Dalva.
Celebraram-se bodas de Prata, mas quis um triste fado que não se celebrassem as de Ouro. Mas nem isso pôs fim a este amor. Miguel permaneceu apaixonado pelos anos fora, até aos seus 85 anos e na véspera do aniversário da Dalva, embarcou com ela, numa outra viagem.
Hoje, o anel da avó Dalva é da minha mãe, dos meus pais. Hoje, leio e releio as cartas escritas pelo meu avô, com a caligrafia perfeitamente alinhada e desenhada e sou capaz de o ouvir a dizer estas palavras. E só queria que pudessem ouvi-lo também.
Gabriela Tavares
